Implantação do projeto: Brasil
Desenvolvimento do projeto: Brasil
Cultivar Cidades é uma narrativa especulativa amazônica que faz da imaginação uma ferramenta para projetar cidades, territórios e futuros. Concebida inicialmente como livro, a obra se apresenta agora em um painel expositivo. Essa composição materializa uma travessia pela bacia amazônica e convida o público a refletir sobre arquitetura e urbanismo a partir de um universo ficcional.
Acompanhamos o diário de Tawa, uma jovem ribeirinha do Rio Negro que, ao longo de quinze dias, percorre o rio Amazonas entre Manaós (atual Manaus) e Mairi (atual Belém). No mapa de sua viagem é possível ler trechos de seu diário, visitar cidades flutuantes, territórios regenerados e arquiteturas anfíbias que emergem após um colapso ambiental em 2030. Neste painel, o texto ocupa o centro: os trechos ficcionais aparecem destacados em branco, enquanto o texto em preto oferece a contextualização.
Este projeto nasce do desejo de construir cidades a partir de uma perspectiva espaço-temporal distinta dos modelos atuais. Embora a Amazônia abrigue a maior floresta tropical do mundo e 20% da água doce do planeta, 76% de seus 28 milhões de habitantes vivem em áreas urbanas com o menor acesso per capita à água potável do país. Essa contradição entre abundância e pobreza resulta de modelos urbanos exógenos alheios à realidade e saberes locais. Afinal, só preservamos aquilo que conhecemos, só construímos aquilo com o qual sonhamos.
É nesse ponto que entra a ficção como ferramenta arquitetônica. Ao construir o óbvio, a ficção abre um campo de ensaio para projetar futuros que escapam aos limites do presente. Propomos olhar para os saberes tradicionais da Amazônia como espelhos que nos permitem repensar nossa forma de existir, transformando o fim em recomeço.
Em vez de anunciar o esgotamento, apresenta-se aqui uma narrativa histórico-utópica em que a cidade ribeirinha e indígena assume o papel de protagonista, traçando caminhos que possibilitam conceber futuros diversos. Esse universo nos reconecta ao conhecimento ancestral enraizado nas múltiplas territorialidades amazônicas, convocando-o para a regeneração dos territórios e a construção de futuros coletivos.
Essa utopia nasce de um arcabouço teórico que articula pesquisas recentes sobre a Amazônia, entre elas as de Eduardo Góes Neves e as de Violeta Loureiro sobre a história da ocupação da região. Dialoga com a ecologia crítica de Danowski e Viveiros de Castro e com a obra de Ailton Krenak e Antonio Bispo, que resgatam cosmologias indígenas e quilombolas como chaves de futuro. Inspira-se também no pensamento ch’ixi de Silvia Rivera Cusicanqui, que ajuda a compreender coexistências e tensões em mundos plurais.
São igualmente narrativas que escutamos em conversas com pescadores, cozinheiras, amigos e parentes ao longo de viagens e cotidianidades. Nelas, a utopia não aparece como abstração distante, mas como prática concreta de imaginação e resistência, em que nós, amazônidas, assumimos a responsabilidade de pensar e projetar nosso futuro.
Esse projeto é desenvolvido pelo Lab Igarité, estúdio de investigação e criação situado entre arquitetura, arte e urbanismo.O Lab é uma iniciativa de Natalia e Isabella, arquitetas e pesquisadoras amazônicas. Com trajetórias entre Manaus e Belém, pensamos a cidade a partir das águas, margens e saberes locais. Buscamos cultivar narrativas urbanas e propor uma arquitetura investigativa, em que palavra e imaginação se tornam ferramentas para revelar camadas invisíveis, construir memórias compartilhadas e inventar modos mais sensíveis e justos de habitar.