13ª

Ministério do turismo, secretaria especial da cultura e belgo bekaert arames apresentam

Aldeia Tekoá Yvy-Porã
(pesquisa realizada pela cocuradora Viviane Sá)

Rua Comendador José de Matos, 386 - Jaraguá / SP - Vila Jaraguá, São Paulo - SP

Opy (casa de reza) na aldeia Yvy Porã

 

Estrutura em madeira antes de receber a argamassa

 

Estrutura em madeira antes de receber a argamassa

 

Estrutura em madeira e a argamassa, feita de capim e barro, ao centro

Eu gosto de pensar nos significados das palavras e, sobretudo, em como as palavras indígenas possuem uma complexidade de não apenas dar nome a algo, mas de aglutinar em um termo toda a complexidade de uma vivência. Em guarani, tekoá (ou tekohá) é utilizado para designar seus territórios, mas possui um significado muito mais vasto. O prefixo teko representa os costumes de um povo, de uma comunidade. Já o sufixo representa o lugar material de uma comunidade e engloba a terra, a floresta, os cursos d’água, a vegetação, as ervas curandeiras. Tekoá é um lugar, mas também uma forma de ser.
Conheci a aldeia Tekoá Yvy Porã em julho de 2021, quando iniciamos as aproximações com alguns territórios na cidade de São Paulo para a curadoria da 13ª BIA. O Jurandir, morador da aldeia, gentilmente respondeu a várias inquietações nossas e nos ensinou sobre a complexidade de seu território, tekoá. Na data dessa visita, ele estava construindo, artesanalmente, a sua casa. 

A seguir, três relatos de Jurandir Karai Jekupe, da aldeia Tekoá Yvy Porã.

 

O que da sua cultura você considera que os juruás deveriam mais valorizar?

O nosso modo de viver e o idioma, respeitar isso. Mas são muitos fatores que não dá pra especificar, assim como na primeira questão, sobre o que devemos demonstrar ao juruá e que eles valorizem. 

Por exemplo, assim como falam da questão da demarcação de território. Quando falam sobre a demarcação do território não tá dizendo assim que território tem que ser demarcado para ser do indígena, porque, na verdade, são vários aspectos, por exemplo, sem a demarcação do território não tem como você perpetuar, colocar em prática as coisas da cultura Guarani, né? Como, por exemplo, a plantação, a própria forma de você caminhar na terra ela é diferente. A gente não vê a terra, o território como uma forma de exploração, de você ter que vender para você ter lucro, né? 

São muitas coisas assim que é diferente do juruá. O juruá ele vê a terra como um negócio, né? Porque, por exemplo, aqui tem vários sítios e chácaras que há uns cinquenta anos já tinha aqui e os proprietários foram falecendo e muitos foram embora e os herdeiros loteiam essas chácaras por causa da especulação imobiliária. Então isso é muito incompreensível pra gente. Lógico, a gente sabe que a intenção é o lucro, né? Mas para nós, não. A terra não é lucro, ela é um modo de valorizar a cultura, não tem outro jeito.

 

Quais mudanças vocês tiveram para se adaptar aos novos tempos? Tanto em relação à forma de construir, como pela forma de viver.

Com certeza, assim, nosso povo foi obrigado a mudar. A mudar a forma de lidar com a terra. Por exemplo, a gente tem muitos problemas de resíduos sólidos e problemas da própria questão de alimentação, como disse, né? Porque, por exemplo, aqui no Jaraguá temos um território de 532 hectares, tem mata, só que você não pode caçar, por exemplo. Não pode obter esse tipo de alimento, carne de animais numa mata que tá reduzida, então essa questão de caçador…você tem que mudar, você tem que aprender a criar. Aqui a gente tem um programa da (Prefeitura) que chama Programa Aldeias que a gente utiliza pra fazer projeto de criação de abelhas, de abelhas nativas, isso é bom, mas foi uma coisa que a gente tinha relação com essas abelhas nativas, mas não tinha essa técnica de criar, então foi uma técnica que a gente aprendeu com o juruá, né? De forma de fazer as divisões da colmeia, fazer atrativo pra poder capturar enxames das abelhas pra poder colocar nas caixas. São tudo coisas novas e isso em relação às abelhas. E a questão até de construir também, né? Porque construir numa área de pequenas (proporções) de tamanho. Você tinha um território vasto, mas agora é obrigado a viver em hectares que são demarcados, né? Então você tem que ter uma técnica nova de construir, porque o indígena do passado construía casas temporárias, né? Você não tinha necessidade de fazer casas duradoras, então era quase que um abrigo, agora não, agora a gente tem que aprender técnicas de fazer casas mais duráveis, mas isso também trouxe problemas porque como você não pode tirar material da mata para fazer a (casa), em algumas aldeias, alguns territórios você não pode tirar simplesmente as árvores para construir, então você tem que se adaptar. Então muitas aldeias, principalmente aqui no Jaraguá, descaracterizou muito a forma de construir. Então muita gente tem casa feita de madeirite, casas feitas de zinco, de restos de madeira, de restos de material, então descaracterizou bastante as casas, né? (as casas indígenas, as casas Guarani). E aí, a gente depende muito de editais, né? A gente tá num edital de fomento Periferia e a gente tá fazendo casa com técnicas de permacultura e isso é bom, também. E isso são as novas adaptações que o povo tá sofrendo, tá influenciado, essas adaptações: tem que ter! Não tem outra forma de viver a não ser essas adaptações.

 

Como você vê as novas mudanças na relação com a terra? Principalmente a pressão de mercado imobiliário e como essa pressão afetou a fixação de seu povo no território? 

Com certeza a questão imobiliária junto do agronegócio são um dos empecilhos e problemáticas gigantesca para o povo indígena em geral. Porque imagina um povo que tinha o passe livre no meio ambiente, onde tudo que você precisava estava na mata, como ervas medicinais, a caça, materiais para fazer as construções de casas ou de abrigo e, de repente, tá cercada. Com cerca. Isso é um impacto muito gigantesco, porque você tira a mobilidade, você tira a liberdade de ter as coisas fundamentais para viver. E você não tem mais. E isso (está) cada vez pior, ainda mais pela questão dos empreendimentos, de fazendas, do agronegócio, então isso é um impacto gigantesco, isso afeta não só a liberdade, o modo de viver, mas também o psicológico, o espiritual, são impactos gigantescos que nenhum tipo de ônus poderia fazer com que esse impacto fosse menor. É gigantesco, envolve tudo, pode colocar aí: espiritual, de liberdade, econômico, social, enfim, não tem nem como a gente colocar em palavras esse impacto.