Convite para Mano Réu – artista, produtor, escritor e músico; morador da quebrada na zona norte de São Paulo, Brasilândia – elaborar um setlist de música sobre São Paulo e suas resistências e escrever um texto sobre estas músicas para a 13ª BIA
São Paulo, a maior cidade do hemisfério sul, tem por natureza o destino de ser uma cidade cosmopolita, um refúgio de sonhos, anseios de vida melhor e acesso ao conhecimento e oportunidades. Não à toa a cidade recebeu, no fim do século XIX, imigrantes de toda Europa e regiões da Ásia, em muitos dos casos com financiamento estatal e incentivos no acesso a emprego e terras. Mas o que dizer dos ex-escravizados libertos oficialmente em 1888? Dos retirantes nordestinos? Dos imigrantes africanos e das Américas? Que chegaram por aqui sem nenhum incentivo do Estado e resistem dia após dia para reafirmar sua influência nesta triunfal cidade.
Essas populações disputam tais narrativas pelos espaços de resistência, como o ressurgimento e valorização da contribuição de Tebas nas edificações da cidade, seja na resistência dos imigrantes africanos no centro de São Paulo, seja nas ocupações de prédios abandonados à especulação imobiliária e projeto de gentrificação. Projeto este que tirou do centro as comunidades negras – um exemplo é o bairro da Liberdade, que hoje é um espaço leste-asiático, mas que em outras épocas era território negro. Esses novos territórios negros moldaram a cidade, criando bairros como Casa Verde, Limão, Brasilândia, na zona norte. Já a zona sul e parte da zona leste receberam os filhos nordestinos deste país. Ficando a zona oeste como um local da classe média e alta.
Esse cenário de tensões, apagamentos, contribuições e resistência é trazido por mim nesta humilde e eclética playlist ou set… Uma viagem por canções, artistas e territórios que estão intrinsecamente ligados a estas músicas… Os sons que embalaram os bailes blacks que tomaram o centro da cidade, zona leste e norte nos duros anos de ditadura do final dos anos 1970, o Hip Hop e sua ocupação na Rua 24 de maio com a Praça Dom José de Barros e na estação São Bento, as canções do Haiti, Nigéria e dos nossos hermanos sul-americanos, canções que apresentam os bairros da cidade, como Jaçanã, e as Cohabs. Temos também os clássicos dos anos 1990 e seu pagode, o axé que até hoje levanta poeira em cada festinha na cidade, o balanço da MPB, o cancioneiro, trazidos pelos migrantes nordestinos que moldaram nossos sotaques e vocabulário, as escolas de samba que são patrimônios históricos e imateriais de todos paulistano, o funk contemporâneo e sua liberdade, e, claro, algumas reflexões mais duras sobre o asfalto sagrado que pisamos dia a dia para trabalhar, amar, sonhar, estudar e sobreviver. Boa audição!
Israel Neto (ou Mano Réu) – músico e escritor. Morador da Brasilândia. Texto escrito para a 13ª BIA.
LINKS DA PLAYLIST
Spotify: Bienal Inter. Arquitetura
Youtube: Playlist Bienal Internacional de Arquitetura (Não Listada)
OS ORIGINAIS DO SAMBA – A subida do morro
DEMÔNIOS DA GAROA – Trem das onze
NEGRITUDE JUNIOR – Cohab City
THIG – Jaçanã Picadilha
CAJU E CASTANHA – O pobre e o rico
JAMES BROWN – Cold sweat
MICHAEL JACKSON – Rock with you
KURTIS BLOW – The breaks
SHAGGY – Boombastic
DJAVAN – Lilás
BEBETO – A beleza é você menina
SAMPA CREW – Eterno amor
KATINGUELÊ – Lua vai
ART POPULAR – Sem abuso
AS MENINAS – Xibom bombom
É O TCHAN – Dança da cordinha
RACIONAIS MC’S – Diário de um detento
MARIA RITA – Minha alma (A paz que eu não quero)
CÁSSIA ELLER – De esquina
DESALENTADOS – São Paulo não é pra pobre
CRIOLO – Não existe amor em SP
MC DA LESTE – São Paulo
MC BRUXO – Brasilândia mil grau 2.0
ANDRÉ MORAES – Lugares invisíveis
NNEKA – Heartbeat
VOX SAMBOU – Lakay
CALLE 13 – Latinoamérica
ZÉ RAMALHO – Admirável gado novo
ROSAS DE OURO – Non Dvcor Dvco (Qual a minha cara) – Samba Enredo 1992
GAVIÕES DA FIEL – O príncipe encoberto ou A busca de Dom Sebastião na Ilha de São Luís do Maranhão – Samba Enredo 1999
VAI VAI – Simplesmente Elis. A Fábula de uma Voz na Transversal do Tempo – Samba Enredo 2015
ADRIANO NASCIMENTO – Quartas de Cinzas